O Segredo do Benjamim


Benjamim 6


6

O silêncio triste em que estava mergulhado foi de repente quebrado por uma pergunta mordaz do governador:
- “E agora, que hei-de eu fazer ao vosso fora da Lei?”

Fora da Lei… esta frase soube-me a fel. Na catequese da sinagoga eu bem aprendia o que era a Lei: um conjunto pesado de normas, preceitos e proibições que sufocavam as nossas vidas e nos colocava todos os dias sob o olhar minucioso de um deus que nos metia medo porque, na verdade, era um deus apaixonado pela sua Lei, não por nós.

Jesus não era um fora da Lei! Eu conhecera-o e escutara-o em Cafarnaum. Jesus era o profeta de um Deus sem Lei, sem imposições nem castigos. Um Deus cuja vontade se propõe, não se impõe, porque é Amor. Um Deus em nome do qual não se pode dizer: “Faz isto! Estás proibido de fazer aquilo…”, mas antes: “Feliz és tu se acolheres esta proposta… bem aventurados os que caminham pelos caminhos de Vida Nova que se rasgam nos corações que se deixam encontrar pelo rosto benevolente de Deus!”

Mas parece que ninguém estava disponível a perceber isto… Sobretudo os que se alimentavam à custa da imposição da Lei e com ela justificavam todas as suas injustiças e opressões. De repente, os fariseus que estavam no meio da multidão começaram a gritar:
- “É réu de morte! Crucifica-o! Anda a desviar o povo da sua Lei e a revoltá-lo contra César. Crucifica-o!”

E, em segundos, a multidão gritava em coro: “Crucifica-o! Crucifica-o!” com o mesmo entusiasmo com que no dia anterior gritara: “Hossana! Hossana! Bendito o que vem…”

O meu tio Pedro ficou como uma estátua, de olhar pregado em Jesus, e dos seus lábios desprendiam-se quase inaudíveis palavras:
- “Não… a cruz, não! Por favor, crucificá-lo, não…”

Começou a chorar como uma criança e saiu dali a correr, sem sequer se preocupar em deixar-me sozinho. Vi-o desaparecer no meio do povo, e senti medo. Estava sozinho no meio de uma multidão de cegos e duros de coração, e nem conseguia chorar, nem mexer-me, nem queixar-me… A certeza de que iam matar Jesus paralisava-me todos os movimentos. E novamente com um só gesto, Pilatos silenciou a multidão.

Nesse momento, Jesus levantou outra vez a cabeça e olhou os rostos incontáveis que tinha ao fundo da escadaria. De um salto subi para cima do rebordo de uma coluna onde ele me pudesse ver. Com o salto chamei-lhe a atenção, e ele conheceu-me. Senti-o! Não sorriu, não falou, mas deteve os olhos nos meus e amou-me por dentro. Eu sei; senti-o! E eu, mal encarei de frente o seu rosto, recomecei a soluçar porque nunca o tinha visto tão triste. Mas não deixei de o fixar nos olhos. Queria dizer-lhe com o olhar que eu era mais forte que o meu tio Pedro, que eu não tinha ido embora nem estava desiludido com ele. Estava desiludido com os seus discípulos, com o meu povo e com os meus chefes. Esses sim, tinham-me desiludido, mas não Jesus. Queria dizer-lhe com o olhar que o amava, e que se eu fosse grande seria o mais corajoso e fiel dos seus discípulos, o primeiro a dar a vida, o último a abandoná-lo. Queria que ele entendesse que eu gostava de ser muito forte para derrotar a multidão, matar os soldados e levá-lo para minha casa onde lhe trataria das feridas.

E sei que ele entendeu. Foi longo o nosso olhar, e foi profundo o nosso encontro.

Até que a voz podre da injustiça falou mais alto:
- “Seja crucificado!”

E os soldados empurraram Jesus para o interior do átrio do palácio do governador romano, ao som do alarido vazio da multidão e dos risos envenenados dos sumo-sacerdotes, fariseus e doutores da Lei.

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